quinta-feira, 13 de março de 2008

INIMIGOS NA TRINCHEIRA

Jefferson Tramontini*

Nos anos 1990, auge do neoliberalismo na América Latina, os governos e a imprensa, ligada a interesses corporativos, difundiram e convenceram amplas massas com a idéia de que tudo o que é público é ruim e tudo o que é privado é bom.

O processo é bastante complexo. Governos interessados em dilapidar o patrimônio público construído por gerações de trabalhadores em favor de poucos, mas poderosos, grupos econômicos, impediam investimentos em empresas estatais e órgãos públicos. Com isso, começavam os problemas. Demissões de funcionários, o que provocava imensos problemas de atendimento; ausência de manutenção, o que fez até uma plataforma de petróleo explodir e afundar; entre outras artimanhas. Tudo para impregnar o imaginário popular com a falsa idéia de que a única solução seria a privatização, de que apenas os grandes empresários teriam a competência necessária para prestar serviços de qualidade e ainda rentáveis.

E convenceram muita gente com isso, mas não por tanto tempo quanto gostariam. Podemos exemplificar. Em outubro de 2000, o governo neoliberal do Paraná privatizou, com pouca resistência, o Banco do Estado do Paraná - Banestado. Menos de um depois, em agosto de 2001, ainda sob o governo Lerner, o povo paranaense tomou as ruas de Curitiba, confrontando a polícia, para impedir a venda da Companhia Paranaense de Energia - Copel. Já naquele momento, as massas populares haviam tomado consciência das mazelas provocadas pelo neoliberalismo. Os apagões elétricos provocados pelas empresas privatizadas, os aumentos absurdos das tarifas pelas companhias telefônicas privatizadas, o abandono de projetos regionais desenvolvimento por parte dos bancos privatizados, entre muitas outras mazelas.

Essa tomada de consciência, ainda que parcial, levou os povos latino-americanos, a partir de 1998, primeira eleição de Chavez na Venezuela, a elegerem sucessivos governos de caráter popular e progressista, em todo o continente, inclusive no Brasil.

Com a eleição e, especialmente, reeleição de Lula, o povo brasileiro apostou em uma esperança de desenvolvimento que atendesse aos interesses da maioria. Isso inclui, em um país de capitalismo periférico, como o Brasil, a ação decisiva do Estado no desenvolvimento econômico e social, na geração de empregos e, especialmente, na distribuição da renda nacional.

Nos países latino-americanos onde os povos elegeram governos progressistas, estes passaram a encaminhar, de modo prático, a reconstrução de seus estados nacionais para que fosse possível promover o desenvolvimento. Assim, o governo Chavez retoma o controle da PDVSA e o governo Morales passa a controlar a produção de gás natural, apenas para citar dois casos. Também no Brasil, o governo Lula interrompeu um acelerado processo de sucateamento do Estado. Retomada de investimentos, concursos públicos, contratação de dezenas de milhares de novos trabalhadores nas estatais e nos órgãos públicos, ampliação das ações dos diversos entes federais, são elementos que evidenciam o reaparelhamento do Estado para este possa tornar-se, novamente, o indutor fundamental do desenvolvimento nacional, fundamentado na distribuição de renda.

Falhou o governo Lula, e muito, a não questionar as criminosas privatizações dos governos neoliberais. Ao contrário, o governo Lula chegou mesmo a privatizar os bancos do Maranhão e Ceará, além de muitos trechos importantes de rodovias. Mas essa não é tônica desse governo que, inclusive, tem utilizado as estatais federais para promover investimentos, concretizar programas sociais e levar desenvolvimento a regiões mais frágeis economicamente. As empresas estatais, com melhor gestão e muito empenho de seus empregados, passaram não só a prestar melhores serviços, mas também a contribuir significativamente com os cofres da União, por meio dos repasses dos lucros crescentes. É verdade que os serviços ainda não são os ideais, pois ainda faltam empregados, é muito grande o número de terceirizados ou precarizados e ainda vigora nas direções das empresas e nos ministérios diretamente responsáveis por elas, a lógica neoliberal privatista.

Outro importante elemento diz respeito aos crescentes lucros das empresas estatais. Bilhões de reais são repassados ao Tesouro Nacional todos os anos e, infelizmente, esse expressivo montante é utilizado não para a promoção do desenvolvimento, mas para o bolso de alguns banqueiros, por meio do famigerado superávit primário.

De qualquer forma, a privatização das estatais restantes não está na pauta desse governo, que foi eleito pelo povo trabalhador do Brasil. Ao menos até recentemente não estava.

No final de fevereiro, o ministro do desenvolvimento, Miguel Jorge, ex-vice-presidente do Banco Santander, declarou: “minha opinião pessoal e que eu continuo a manter é que deveriam ser privatizadas não só a Infraero, mas todas as empresas que não façam parte do 'core business' do governo, que é saúde, segurança e educação". O banqueiro alçado a ministro destacou Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Infraero e os Correios. O ministro-banqueiro poupou apenas a Petrobras. O argumento é velho e rasteiro. Jorge afirmou que em outros países não existem estatais nessas áreas. O velho falso argumento de que devemos copiar outros países. Isso mostrou-se terrível para os povos latinos no passado e continua terrível hoje. Quanto a isso, lembremos de Simon Rodriguez: “na América, ou inventamos ou erramos”.

Há alguns anos, o então vice-presidente do Santander, Francisco Luzón, defendeu a extinção dos bancos públicos. Afirmou que os bancos privados são capazes de realizar o que os estatais fazem. Se isso fosse verdade, porque não fazem? Na verdade, Luzón e outros banqueiros estão de olho nos volumosos recursos do FGTS, entre outros. As empresas privatizadas demitiram milhares de empregados, reduziram investimentos, aumentaram em larga escala os preços. Por que fariam diferente agora?

O que nos chama a atenção é que não houve nenhuma reação do governo federal, desautorizando o ministro-banqueiro. Mesmo nos movimentos populares, especialmente no movimento sindical ligado aos empregados das estatais, a reação foi tímida, quase uma indignação por obrigação.

O fato é mais grave do que parece. Uma declaração de um membro do primeiro escalão do governo que foi eleito com a bandeira da defesa do patrimônio dos brasileiros, da retomada da capacidade do Estado brasileiro em promover desenvolvimento econômico com justiça social não é pouco. Dentro do governo, Miguel Jorge não está isolado, conta com várias outras autoridades, como Meirelles, Bernardo e Stephanes.

A reposta dos movimentos deve ser enérgica, exigindo o cumprimento do projeto eleito pelo povo e expurgando, de uma vez por todas, as amarras neoliberais que ainda vigoram, muitas por opção exclusiva governo Lula. O projeto nacional de desenvolvimento com soberania e valorização do trabalho somente será concretizado com enfrentamento. Utilizando de inteligência, criatividade e muita firmeza política, os movimentos populares precisam mobilizar amplos setores do povo para, simultaneamente, defender o governo Lula dos ataques golpistas e confronta-lo diretamente por avanços que atendam ao interesse da maioria.


Jefferson Tramontini é coordenador da CTB/PR e diretor do Sindicato dos Bancários de Curitiba



0 comentários:

Classista possui:
Comentários em Publicações
Widget UsuárioCompulsivo

Mais vistos

  ©CLASSISTA - Todos os direitos reservados.

Template by Dicas Blogger | Topo