terça-feira, 23 de agosto de 2011

Conclat: há 30 anos, a unidade dos trabalhadores

Osvaldo Bertolino*

Os primeiros passos para a reorganização sindical no Brasil após o golpe de 1964 foram dados em 1979 durante o “Encontro Nacional de Dirigentes Sindicais”, realizado entre os dias 2 e 6 de agosto no bairro de Gragoatá em Niterói (RJ). Orgazizado pelo Centro Brasil Democrático (Cebrade) — entidade fundada em 1978 por um grupo de intelectuais tendo o arquiteto Oscar Niemeyer à frente —, o evento aprovou a “Carta de Gragoatá” recomendando, “desde já”, o começo de uma ampla campanha de mobilização e conscientização política sobre os significados sociais da recessão econômica.

O documento dizia que, se necessário, os trabalhadores deveriam recorrer à greve geral para evitar que todo o custo da crise fosse descarregado em suas costas. E concluiu que a recuperação da economia deveria ser fundada num programa de gastos em habitação popular, transportes coletivos e urbanos, educação, saúde, lazer e saneamento básico — além da dinamização da agricultura por meio da promoção da reforma agrária. Para isso, seriam necessárias reformas financeira e tributária. E seria necessária também a mudança de regime político.


Entendimento entre as elites

A “Carta de Gragoatá” pedia ao Congresso Nacional que refletisse sobre a necessidade de uma anistia geral, ampla e irrestrita, que libertasse os presos políticos e restituísse às suas ocupações todo e qualquer brasileiro afastado por motivos políticos, que desmantelasse os aparelhos de repressão e que revogasse as medidas de exceção. O documento dizia que a luta pela conquista da democracia era inseparável da resolução dos problemas sindicais.

O direito de greve e a estabilidade no emprego deveriam ser convertidos em princípios constitucionais aprovados em uma Assembléia Nacional Constituinte livremente eleita e soberana. Segundo o documento, a abertura política acenada pelo governo, apesar de ser em grande parte determinada pela ação dos movimentos grevistas que romperam as barreiras legais à autêntica atividade sindical, procurava reduzir os trabalhadores à condição de meros espectadores do entendimento entre as elites para modelar as transformações políticas segundo seus interesses.

Brutal repressão da ditadura

Uma central única dos trabalhadores deveria coordenar o processo de luta pelo fortalecimento dos sindicatos por meio da sindicalização e da organização nos locais de trabalho. A “Carta de Gragoatá” também disse que, pressionado pelo povo, o governo foi forçado a enviar ao Congresso Nacional um projeto de anistia que, embora parcial e restrito, era resultado do avanço das forças democráticas e populares. Mas denunciava que aquela ação governamental discriminava social e politicamente milhares de trabalhadores afastados de seus empregos pela brutal repressão da ditadura, que ficaram à margem dos benefícios da anistia. O país começava a erguer-se contra a ditadura militar.

No dia 14 de janeiro de 1980, a Comissão Nacional da Unidade Sindical, representando sindicalistas de todo o Brasil, reuniu-se no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e decidiu que os trabalhadores deveriam lutar por um salário mínimo real e unificado, garantia no emprego, reforma agrária e combate à carestia. Para isso, foram programados o 1º de Maio unificado em âmbito nacional e a realização do 1º Congresso das Classes Trabalhadoras (Conclat) — que seria postergado para 1981 com a denominação de Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras.

Manifesto entregue ao governo

No dia 1º de Maio, nos atos em todo o país um documento padrão seria divulgado, dando caráter unitário ao evento. Os representantes sindicais diziam que a realização da Conclat era uma aspiração legítima — uma vez que o governo permitia a realização de evento semelhante pelos empresários, o Congresso das Classes Produtoras (Conclap).

A Conclat realizou-se nos dias 21, 22 e 23 de agosto de 1981 na cidade de Praia Grande, litoral paulista. Representando 1.126 entidades sindicais, os 5.247 delegados aprovaram a data de 1º de outubro como o “Dia Nacional de Protesto” e elegeram uma comissão que deveria encaminhar a organização de uma central única dos trabalhadores, a pró-CUT.

Segundo a deliberação da Conclat, no dia 1º de outubro, quando as reivindicações do evento seriam entregues ao governo — o manifesto pedia, entre outras coisas, o fim do desemprego, da carestia, não à redução de benefícios da Previdência Social, reforma agrária, direito à moradia, liberdade e autonomia sindicais e liberdades democráticas —, os sindicatos deveriam promover manifestações de trabalhadores, atos públicos e até paralisações parciais.

Estado de greve

A evolução da crise e a unidade do movimento sindical resultaram em uma ação de grande envergadura — a primeira greve geral no país depois do golpe de 1964. A fogueira da greve começou a ser acesa com o decreto 2.025, de 30 de maio de 1983 — que pretendia extinguir os benefícios dos funcionários ligados ao Estado no âmbito federal, das administrações direta e indireta. O governo e a mídia desencadearam uma campanha contra esses trabalhadores com a alegação de que eram “privilegiados” que ganhavam acima da média e contavam com benefícios que a “sociedade” não podia bancar.

No dia 16 de junho de 1983, 35 entidades sindicais e associações de funcionários públicos aprovaram o estado de greve, em protesto contra o decreto 2.025. Diversos setores da sociedade — estudantes, partidos de esquerda, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), entre outros — se solidarizaram com os trabalhadores, manifestando publicamente suas posições. O governo recuou, mas no dia 29 de junho o presidente João Figueiredo assinou um novo decreto, o 2.036, atacando diretamente os direitos dos funcionários das estatais federais — como o abono de férias, as promoções, os auxílios para alimentação e transporte, o salário adicional anual e a participação nos resultados.

Mobilização do governo contra a greve

No dia 5 de julho de 1983, a refinaria do Planalto (Replan), na cidade de Paulínia — interior do Estado de São Paulo —, a maior do país, parou. Na Replan, 153 trabalhadores foram demitidos. Isso correspondia a 10% do efetivo. Imediatamente, o ministro do Trabalho, Murillo Macedo, decretou a intervenção no Sindicato dos Petroleiros de Paulínia e afastou o presidente da entidade, Jacó Bittar.

Os petroleiros de Mataripe, no Estado da Bahia, também fizeram greve — e o sindicato foi igualmente interditado. Os metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema pararam em solidariedade aos petroleiros e o sindicato da categoria foi outro que sofreu intervenção. No dia 14 de julho de 1983, um novo decreto — o famoso 2.045 — foi publicado pelo governo com o objetivo de arrochar ainda mais os salários. A medida atingia também os aluguéis e o Sistema Financeiro da Habitação (SFH).

A greve geral era iminente e uma intensa mobilização de membros do governo federal foi desencadeada para tentar evitar a paralisação. O ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, ficou encarregado de redigir um decreto regulamentando a convocação das polícias militares para o âmbito federal caso os governadores de oposição não reprimisse os trabalhadores. O ministro do Gabinete Civil, Leitão de Abreu, foi escalado para telefonar aos governadores e avisar que qualquer relaxamento dos efetivos policiais seria considerado, em Brasília, incentivo à greve e “à perturbação da ordem”. E o ministro do Trabalho, Murillo Macedo, foi enviado a São Paulo para reunir-se com lideranças sindicais.

A garantia de Magaldi contra a greve

Murillo Macedo chegou à capital paulista no dia 15 de julho de 1983 para receber uma comissão de 11 presidentes de sindicatos eleita pelo “Secretariado Nacional dos Trabalhadores nas Empresas Estatais”. Com a edição do decreto 2.045, os dirigentes sindicais julgaram que não havia mais o que conversar com o ministro e cancelaram o encontro. Dois representantes foram designados para informar a decisão — Geraldo de Vilhena Cardoso, presidente do Sindicato dos Telefônicos de São Paulo, e Rubens Craveiro dos Santos, presidente do Sindicato dos Ferroviários de São Paulo.

Em nota entregue ao ministro, os dirigentes sindicais diziam que o decreto “ratifica e amplia as decisões anteriores contra as estatais e os trabalhadores, reduzindo ainda mais as possibilidades de efetiva negociação por parte do senhor ministro do Trabalho”. O documento lembrava também que as declarações de Murillo Macedo aos jornais daquele dia evidenciavam a retirada da importância que os sindicalistas atribuíam ao encontro.

Num lance de marketing, o ministro do Trabalho zanzou com sua comitiva pela cidade até chegar à Fundação dos Empregados no Comércio do Estado de São Paulo, no bairro da Liberdade, onde se encontrou com dirigentes sindicais aliados do governo federal. (Murilo Macedo mantinha dois gabinetes em São Paulo — um na Rua Martins Fontes, onde funciona a Delegacia Regional do Trabalho, DRT, e outro na Federação do Comércio.) Lá ele recebeu a garantia do presidente da Federação dos Empregados do Comércio, Antônio Pereira Magaldi, de que aquela categoria não participaria da greve.

O picolé pé-de-moleque de Tuma

O presidente da República em exercício, o vice Aureliano Chaves, também entrou na mobilização. Ele negociou com os donos de jornais, rádios e TVs o esvaziamento do noticiário sobre a greve e a aparição de personalidades que pregavam contra a paralisação. Em São Paulo, Aureliano Chaves mobilizou o comandante do 2° Exército, general Sérgio de Ari Pires, e o delegado da Polícia Federal, Romeu Tuma. Ambos reuniram-se com o governador Franco Montoro (PMDB) para, segundo o general, “sintonizar os rádios para operarmos numa mesma freqüência”. Isso incluía a entrada daquela unidade do Exército em estado de prontidão e o contato permanente com o secretário de Segurança Pública, Manoel Pedro Pimentel.

Logo após a solenidade do aniversário da “Revolução Constitucionalista de 32”, no dia 9 de julho, Tuma encontrou-se com o general Pires. Na saída, o delegado comentou: “Estou chupando um picolé pé-de-moleque, mas pensando no Jair Meneguelli.” (O então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema respondia a inquérito por supostamente ter ofendido o presidente Figueiredo em um discurso.) “O que eu estranho é que metalúrgicos façam greve de solidariedade a uma categoria (os petroleiros) de altos salários e com estabilidade no emprego”, emendou Tuma. Para ele, a intervenção nos sindicatos não era antidemocrática, “pois foi efetuada dentro da ordem jurídica.”

O maior desafio ao regime de 1964

Mesmo sob essas ameaças, os dirigentes sindicais trabalhavam freneticamente para dar os últimos retoques nos preparativos da greve. O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo distribuiu um milhão de panfletos convocando a paralisação. A Comissão Pró-CUT do Estado de São Paulo anunciou a distribuição de 1,2 milhão de comunicados orientando os trabalhadores. Um comando-geral da greve dirigia os preparativos por meio de uma central de informações instalada na Câmara Municipal de São Paulo. Outra comissão de dirigentes sindicais visitou a Assembléia Legislativa.

Com toda essa mobilização, o dia 21 de julho de 1983 amanheceu com cerca de 3 milhões de trabalhadores de importantes categorias em vários Estados parados. As pressões e a feroz repressão desencadeada contra as direções dos sindicatos que lideraram a greve foram intensas. Só na Grande São Paulo, houve mais de 800 prisões. Mas o saldo da greve geral foi considerado amplamente positivo. O dia 21 de julho de 1983 ficou assinalado na história como a data em que os trabalhadores protagonizaram o maior desafio ao regime de 1964. Logo em seguida, nasceu a Central Única dos Trabalhadores (CUT).

A fundação da CUT

A fundação da CUT no 1º Congresso da Classe Trabalhadora por um grupo de sindicalistas ligados ao Partido dos Trabalhadores (PT), ocorrido entre os dias 26 e 28 de agosto de 1983, representou a consolidação de uma divisão no movimento sindical que começou ganhar corpo em 1982. Logo após a realização da 1ª Conclat, em 1981, iniciou-se um movimento solicitando o adiamento do congresso marcado para 1982. Além de divergências internas na Comissão Nacional Pró-CUT, alegava-se a proximidade das eleições quase gerais daquele ano.

No dia 10 de maio de 1982, a executiva da Comissão Nacional Pró-CUT decidiu encaminhar uma consulta aos Estados que deveria ser respondida pelos Encontros Estaduais das Classes Trabalhadoras (Enclats). O controvertido resultado da discussão apontou para o adiamento do congresso. Em novembro de 1983, reuniu-se o outro Conclat e nele foi criada a Coordenação Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat) que, depois, em 1986, transformou-se em Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT). A temida divisão do movimento sindical naquele momento crucial da vida do país estava sacramentada.

*Osvaldo Bertolino é jornalista e editor do Grabois.org

Fonte: CES

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