quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Um balanço positivo no sindicalismo e novos desafios

Entrevista de João Batista Lemos ao Vermelho.

Indicado para comandar a Secretaria Sindical Nacional do PCdoB em 1992, João Batista Lemos, assume a partir desta segunda-feira (19) novas tarefas na vida da construção partidária dos comunistas brasileiros. A recente reunião do Comitê Central do Partido, realizada nos dias 17 e 18 de setembro, oficializou a indicação de Batista para atuar no núcleo de direção do PCdoB no estado do Rio de Janeiro. O CC também definiu Nivaldo Santana, como novo responsável pela Secretaria Sindical. 

Nos 19 anos em que esteve à frente da organização sindical do Partido, Batista liderou a construção da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e do Encontro Sindical Nossa América (Esna). Recentemente, foi eleito para uma das vice-presidências da FSM ( Federação Sindical Mundial). O dirigente também atuou no processo de reestruturação sindical do PCdoB desde 1974, ainda na ilegalidade, e nos anos após a conquista da legalidade, em 1985. Entre os erros e acertos dessa época ele enfatiza que “é preciso saber por onde está passando a luta dos trabalhadores para não ficar à margem dela”. 

Entre as principais transformações e vitórias do movimento no continente americano nas últimas décadas, ele destaca o crescimento do sindicalismo classista e a chegada ao poder de importantes lideranças oriundas dos movimentos sociais e comprometidas com os interesses do povo – Luiz Inácio Lula da Silva, no Brasil; Hugo Chávez, na Venezuela e Evo Morales, na Bolívia. “Todas as mudanças e transformações sociais de fundo vêm das massas – mesmo nos processo eleitorais”. 

Leia abaixo a entrevista que ele concedeu ao Vermelho:


Vermelho — O Partido tem hoje uma visão autocrítica de sua atuação no movimento sindical antes e logo após a conquista da legalidade. Quais foram os erros e as lições daquele período?
João Batista Lemos: Quando houve a crise do movimento comunista, conseqüente do revisionismo, e a reorganização do nosso partido, em 1962, a estrutura sindical e operária ficou com o PCB (Partido Comunista Brasileiro) e raras foram as exceções. Na fase de retomada da vida legal do PCdoB estávamos muito fora da vida sindical da classe operária. Tínhamos apenas alguns pontos de resistência, liderados por Aurélio Peres e Vital Nolasco, na Zona Sul de São Paulo, lideranças operarias em Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia entre outros. O partido atuava via oposições sindicais e bairros operários.

Em 1981, compomos uma chapa de oposição à que o Lula apoiou e que era encabeçada pelo Jair Meneguelli para disputar o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Toda a composição da chapa que enfrentamos era formada de petistas. O PT foi fundado em 1980 e o partido era uma febre em São Bernardo. A massa operária via o Lula como um revolucionário. Participamos do comando da greve em 1979-1980, mas quando foi para compor, eles formaram uma chapa só de petistas e excluíram todas as lideranças grevistas que não se filiaram a esse partido. 

Vermelho: Qual foi o saldo desta disputa dentro do movimento sindical? 
Batista: Naquela época o PT já tinha um projeto estratégico de poder - criar um partido de massas dos trabalhadores e uma central sindical. Isso foi um polo de atração de setores mais avançados.

Em um determinado momento, diante da necessidade de compor uma frente mais ampla, o partido no movimento sindical acabou se aliando a setores mais atrasados que buscavam se readequar à luta democrática, pois éramos mais perseguidos no interior das empresas. Aqui em São Paulo, Minas Gerais e em outros lugares, nós compusemos com esses setores menos avançados e perdemos posições. Penso que nessa fase atrasamos o processo de recompor a nossa confiança com a classe trabalhadora e com o setor mais avançado do movimento sindical. Nós não podíamos sair com uma chapa oposta à que o Lula estava apoiando. Se não houvesse condições de colocar gente nossa dentro da chapa do Meneguelli, tínhamos que ficar de fora, acumulando forças dentro das empresas. 

Na Bahia aconteceu o contrário. Trabalhamos com as oposições, ganhamos dos pelegos e depois disputamos a hegemonia com o PT. Hoje quem dirige o movimento sindical no estado é o partido.

Tiramos lições desse processo. É preciso compreender melhor o sentimento real dos trabalhadores e partir dele. Os trabalhadores podem não ter consciência mais elaborada de classe, mas possuem um instinto de classe muito arraigado. Houve um trem que passou – que foi o das oposições sindicais, fruto do ascenso do movimento operário e sindical da década de 80. E nós o perdemos porque tínhamos uma visão muito esquemática e não conseguimos enxergar o novo. Hoje, a situação é outra e dificilmente se conquista direções sindicais via oposições.

Vermelho: Como foi o processo de rompimento com esses setores mais atrasados e a entrada na CUT (Central Única dos Trabalhadores)?
Batista: Em 1988 rompemos com esse setor mais atrasado e a CGT, e nos guiamos pela idéia de que a luta pela unidade passava por dentro da CUT. Marcado por uma conjuntura política que levou o Partido a propor uma frente de esquerda com o PT, a Frente Brasil Popular, nas eleições de 1989 com Lula presidente. Começamos então a organizar a Corrente Sindical Classista - CSC e em 1994 entramos na CUT. Esse foi o nosso reencontro com o movimento sindical mais avançado e de certa forma com a classe operaria. É preciso saber por onde está passando a luta dos trabalhadores, para não ficar à margem dela. Uma importante lição é a questão de o partido ter trabalhado sempre com dois vetores importantes: um partido de ação política e de classe. Nós soubemos combinar essas duas coisas e também advogando unidade e luta. Ao mesmo tempo em que fizemos aliança, mantivemos a nossa independência. Não perdemos a nossa característica. De um ponto de vista mais geral, o partido cresceu por ter combinado de forma bastante dialética o princípio de unir ação política com a concepção de um partido de classe. Na frente sindical soubemos ainda combinar unidade e luta. 

Construímos uma corrente e nos tornamos a segunda força dentro da CUT, e uma força bastante considerável entre os metalúrgicos – dirigindo sindicatos importantes no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Caxias do Sul, São Luis do Maranhão e Bahia. Entre os petroleiros e de serviços, Hoje somos a primeira força da educação privada e a segunda na pública. O balanço que faço dessa inserção do Partido na luta dos trabalhadores é positivo. 

Vermelho: Como você enxerga a questão da centralidade do Partido entre os trabalhadores do ponto de vista teórico e prático? 
Batista: A classe trabalhadora faz parte da natureza do Partido e é a força motriz da sociedade. Neste sentido, a partir da comissão sindical, desenvolvemos importantes lutas do ponto de vista ideológico, quando promovemos a primeira conferência nacional sindical para discutir o trabalho operário. Na época, o próprio Renato Rabelo — hoje presidente nacional do PCdoB — afirmou que o êxito da conferência foi colocar a centralidade dos trabalhadores no projeto político do partido. Depois fizemos o 2º Encontro Sobre Questões de Partido para discutir também a situação dos trabalhadores no Brasil, o novo perfil da classe e como inserimos mais o partido entre os trabalhadores e as trabalhadoras — compreendendo o papel desta nova classe trabalhadora no projeto político de transformação social na luta por um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento do país.

Isso levou também ao aumento da composição social dos operários dentro do Comitê Central. Este ano, a partir da realização do 4º Encontro Nacional Sindical do Partido nós retomamos mais essa discussão. Para o Partido fazer frente a essa nova situação política — iniciada com a vitória de Lula em 2002 — atuamos no sentido de ocupar mais espaço na política institucional. Quando avançamos no sentido de ocupar mais espaço institucional — seja nas eleições municipais, estaduais ou nacional — criamos também mais condições para crescermos no movimento sindical de massa e vice-versa. 

Vermelho: Como você analisa, hoje, a luta pelo Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento e o movimento sindical?
Batista: Elegemos Dilma para avançar no projeto de transformação político e social do nosso país. Apresentamos um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento que passa por reformas estruturais, mas não vimos ainda nenhuma sinalização, por parte do governo, de enfrentar as questões estruturais do país. 

Dentro do movimento sindical a bandeira mais aguardada hoje é a redução da jornada de trabalho sem redução do salário. Isso também vai depender de uma intervenção mais forte do partido tanto na luta de idéias como na luta institucional e de massas. Não acredito que a redução da jornada de trabalho saia do papel apenas através da pressão e da negociação no Congresso. Vamos ter que desenvolver lutas de maior vigor para exigir também as reformas estruturais. Isso vai demandar maior protagonismo da classe trabalhadora e dos movimentos sociais e alteração da atual correlação de forças. 

Vermelho: A saída do PCdoB da CUT e a criação da CTB contribuiu com a luta pela unidade do sindicalismo brasileiro?
Batista: A história tem mostrado que nossa saída da CUT e a fundação da CTB foi correta. A luta pela unidade sindical dentro da CUT foi se esgotando. O hegemonismo dentro da CUT impediu que a questão da unidade avançasse. Não só a gente, mas todas as forças políticas que não eram do PT também saíram. Saímos com a bandeira da unidade. A principal bandeira de fundação da CTB foi da realização de uma nova Conclat — que unisse as centrais em torno de uma plataforma comum. Percebemos que a unidade não passava por dentro apenas de uma central e sim pela unidade de ação de todas as centrais.

A CTB não foi criada como uma central “vermelha”. Foi construída em aliança com os socialistas do PSB, setores independentes dos marítimos e do campo. Hoje, por exemplo, com a entrada da Federação dos Trabalhadores da Agricultura de São Paulo, a CTB passa a ser a maior força dentro da Contag. Disputamos hoje a terceira posição entre as centrais e a vida está mostrando que a fundação da CTB foi acertada, tanto por ser um instrumento efetivo de unificação da luta da classe trabalhadora no Brasil como por aumentar a influência do partido entre os trabalhadores.

Vermelho: A realização da Conclat, em 2010, pode ser considerado um dos marcos recentes da luta sindical e a primeira grande conquista da CTB?
Batista: Reunimos mais de 25 mil trabalhadores no Pacaembu e as outras centrais reconhecem que essa foi uma bandeira da CTB. Aprovamos a Agenda Nacional da Classe Trabalhadora que a meu ver está na ordem do dia. É justamente essa plataforma que pode ser o grande instrumento do protagonismo da classe trabalhadora. 

Vermelho: O Encontro Sindical Nossa América é um outro marco de sua atuação como dirigente sindical comunista. Qual é a maior contribuição do fórum para a luta dos trabalhadores no nosso continente?
Batista: O Nossa América começou com as reuniões das correntes classistas no continente, na época eu havia assumido a coordenação nacional da CSC. O importante é que as reuniões de correntes classistas logo se transformaram em encontros de centrais e organizações sociais com base de trabalhadores. Isso demonstra o crescimento do sindicalismo classista no continente. O Nossa América está em sintonia com as mudanças políticas e sociais que estão ocorrendo no nosso continente, através da derrota do neoliberalismo na Venezuela, Bolívia, Uruguai, Brasil e Argentina. A primeira convocação do Encontro Sindical Nossa América (Esna) ocorreu no enceramento do congresso de fundação da CTB em 2007. 

Vermelho: Quais são os eixos e as bandeiras do Esna no nosso continente e qual foi o saldo desses primeiros encontros?
Batista: Desde o início, o Nossa América passa a ser um espaço de unidade de ação das centrais sindicais e movimentos sociais com base de trabalhadores no continente – com bandeiras anti-neoliberais e anti-imperialistas. Os três primeiros eixos que definimos para construção dessa unidade de ação foi o tema do trabalho, com a luta pelo pleno emprego, contra a desregulamentação, pela redução da jornada de trabalho e pelos direitos sociais. O segundo eixo foi a luta mais política, de apoio às mudanças político-sociais no continente. Apoio aos governos dos presidentes Lula, Chávez e de Evo Morales. Ligando a luta sindical a uma maior perspectiva de poder. Junto com essa bandeira temos ainda a luta pela integração soberana e solidária. E o terceiro eixo é a luta pela soberania nacional, alimentar, energética e da biodiversidade do continente. 

O primeiro encontro aconteceu em Quito, no Equador; o segundo em São Paulo, no Brasil; o terceiro, na Venezuela — teve inclusive a participação do presidente Hugo Chávez. Durante esse terceiro encontro nós tiramos o Programa de Formação Investigação e Assistência Técnica no continente, que trata da caracterização da atual crise econômica, o papel do movimento sindical e os processos de integração. Também realizamos uma campanha de assinaturas contra as bases militares dos Estados Unidos da América do continente. Já o último encontro, que aconteceu em agosto deste ano na Nicarágua, teve a presença de 24 países do continente e três europeus, Portugal, França e Espanha. O encerramento do evento também teve a participação do presidente Daniel Ortega. O próximo encontro será no México. Essa é uma experiência inédita na história do movimento sindical dos trabalhadores. Nossa preocupação maior hoje é buscar o protagonismo dos trabalhadores nos processos de integração como a Unasul, a Celac e a Alba. 

Vermelho: Como você está encarando a nova tarefa que irá assumir no Rio de Janeiro?
Batista: Irei contribuir no núcleo de direção do Partido no Rio. Com minha saída da Secretaria Sindical, continuarei atuando no movimento de trabalhadores através do cargo que exerço de secretário-adjunto Internacional da CTB. Mas acho que o fortalecimento do partido e a atuação na vida partidária são fundamentais. Por enquanto, continuarei cumprindo uma agenda internacional ligada ao movimento, em função do meu mandato na CTB e na FSM (Federação Sindical Mundial). E também devo me dedicar ao fortalecimento do combativo partido do Rio de Janeiro. Será um grande desafio porque terei que encarar uma tarefa mais geral e política. Eu sempre me dediquei a uma tarefa específica ligada ao movimento sindical e operário. 

Vermelho: Em sua opinião, qual é o papel da classe trabalhadora na luta nacional? E como sua experiência no movimento sindical pode contribuir para a sua nova tarefa no Rio?
Batista: Todas as mudanças e transformações de fundo vêm das massas – mesmo nos processo eleitorais. No Brasil, o Lula só é o que é porque em determinado momento histórico ele surgiu como uma liderança operária que enfrentou a ditadura militar e as multinacionais. Na Bolívia, o Evo Morales surgiu de um movimento sindical que também se unificou com o movimento político. A Frente Sandinista também era um movimento guerrilheiro ligado aos camponeses, aos trabalhadores, aos explorados – promoveu a revolução em 1979, transformou-se em um partido político e venceu a eleições na Nicarágua. Assim também foi em Cuba com o Movimento 26 de Julho e depois Partido Comunista de Cuba. É preciso combinar mais a luta do movimento social com a luta política nacional. Será um grande desafio. Terei a oportunidade de conhecer melhor o povo, a cultura e a maneira que os trabalhadores cariocas pensam. 

Vermelho: Como você vê a indicação de Nivaldo Santana para assumir a Secretaria Nacional Sindical do Partido?
Batista: O Nivaldo é um dos camaradas mais credenciadas para assumir o comando da secretaria, e nós temos trabalhado a transição desde o último congresso do partido – quando ele foi indicado secretário-adjunto. Ele participou também ativamente do processo de fundação da CTB. Ele tem todas as condições para assumir essa tarefa. Além de presidente de sindicato, ele foi um dos fundadores da Corrente Sindical Classista, deputado por três mandatos e presidente do partido em São Paulo. 

Fonte: Vermelho


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