terça-feira, 4 de outubro de 2011

Greve incomoda?

Meirivone Ferreira de Aragão*

A greve incomoda. E é esse o seu objetivo. Toda relação se constrói e sobrevive na base do respeito mútuo e do diálogo. Mas quando uma das partes se recusa a conversar e quer apenas impor o seu injusto ponto de vista, aproveitando-se das fraquezas da outra, torna-se necessária alguma ação para conduzir as coisas ao seu devido prumo.

No amor, são inúmeras as possibilidades. Na relação de trabalho também, mas este é um terreno onde existe lei regulando os procedimentos e apontando como justo, legal e constitucional a paralisação das atividades pelos trabalhadores como forma de forçar o patrão a retomar o diálogo. Antes dessa conquista se elevar à categoria de direito fundamental, assim assegurado na Constituição Federal de 1988, houve lutas sangrentas com perdas para toda a sociedade. Optou-se pela greve por ser um meio pacífico por excelência, livre exercício do direito de resistência sem armas, convencendo o capital que sem a força produtiva dos trabalhadores ele não sobrevive e, como o sistema teme a morte mais que os humanos, precisa sentar, negociar e ceder. 



Mas o sistema é ingrato e não se conforma em depender de quem não sabe a diferença de um vinho envelhecido em barris nobres europeus que rega as suas orgias, para o de garrafão que os trabalhadores tomam nas festas familiares, comemorando o nascimento de um filho, um casamento... os valores realmente são diferentes e não ‘valem’ hoje na balança de quem há muito pouco tempo sequer sabia localizar a Europa no mapa... talvez ainda não saiba... talvez o conhecimento do vinho seja adquirido em manuais... o que importa é ter o poder. E não é da natureza do poder ceder, respeitar, valorizar, ouvir, dialogar.

A greve foi feita e cantada por muitos dos atuais negociadores dos bancos públicos, quando tomavam vinho de garrafão em comemorações de valores familiares, quando sabiam o que é sair de casa para cumprir jornada de trabalho sem hora para terminar e sem o pagamento da jornada extraordinária, quando eram vítimas de assédio moral, quando deviam cumprir metas para receber o salário... no sertão nordestino tem um ditado que diz: ‘Quem era Naninha, nem cabelo tinha...’ E haja esquecimento!

Por isso o legislador constitucional previu a greve, para incomodar o poder, para incomodar o cidadão que deve se indignar, sim, mas para se juntar ao coro dos que não são ouvidos. O poder, o patrão, já tem a mídia e, por vezes, outros muitos setores a seu favor, não precisa da voz do povo.

Muito sabiamente os bancos procuram a Justiça e buscam os interditos para sufocar essa voz. E muito estupidamente, por vezes, a Justiça se volta contra os trabalhadores e rasga a Constituição. Por outro lado, chega a ser emocionante ler uma decisão que nega uma liminar e reconhece o óbvio, o justo e o bom: o direito de greve deve ser exercido pelos trabalhadores, sem mordaças, sem polícia, como assegurou a Constituição. Aliás, polícia é para quem precisa, já dizia a canção... e os trabalhadores que lutam por condições dignas não são bandidos. Parabéns aos magistrados que decidem com alma e conhecimento jurídico não superficial.

Que em mais um ano de luta, a greve incomode a quem precisa, faça valer a força e a voz dos trabalhadores bancários no país, reabrindo as negociações em bases dignas. Que os Poderes respeitem esse maravilhoso instrumento social acolhido no mundo jurídico, mas muito mais que os bancários entendam que interdito pode abrir porta de agência, mas não obriga a consciência e nem impede a paralisação. Portanto, percam o medo dos interditos, desliguem os celulares e mostrem quem sustenta de verdade o sistema financeiro do país.

Boa sorte!

*Meirivone Ferreira de Aragão é advogada e assessora jurídica do Sindicato dos Bancários de Sergipe


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