sábado, 10 de dezembro de 2011

Terceirização é ferramenta de acumulação de lucros


Assis Melo*

A terceirização existe há muito tempo, mas sua utilização maciça pelas empresas brasileiras e seus efeitos danosos às relações de trabalho no País fizeram-se sentir a partir da década de 1990, com a onda neoliberal. Desde então, temos visto que as empresas recorrem à terceirização não apenas em busca do aumento da produtividade. Lamentavelmente, essa forma de administração é utilizada como uma poderosa ferramenta de redução de custos e de acumulação indiscriminada de lucros.

Em busca desse objetivo, são desconsiderados e sacrificados os direitos dos trabalhadores, num processo de precarização que vai na contramão de todos os documentos internacionais aos quais o País se obrigou. Devemos lembrar que o Brasil é signatário de termos de compromisso junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT), com o objetivo de promover o trabalho decente. Além disso, está em curso a I Conferência Nacional de Emprego e Trabalho Decente (CNETD), realizada de forma tripartite e coordenada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), cujo desfecho está previsto para maio de 2012.


Consideramos, portanto, que as discussões sobre a terceirização são, mais do que nunca, importantes porque o Brasil vive um momento especial no seu desenvolvimento, inclusive na questão do estabelecimento das relações de trabalho.

Há muito tempo se debate a matéria no Congresso Nacional, e esta Comissão Especial é fruto dessas discussões. Mas a terceirização é discutida, também, em outros fóruns da sociedade, inclusive pelas centrais sindicais, representantes daqueles que mais sofrem com suas consequências, os trabalhadores.

As centrais sindicais reconhecem a importância de regulamentar a matéria, por isso requereram ao presidente Marco Maia a criação desta Comissão Especial, da qual temos a honra de fazer parte.

Os representantes dos trabalhadores consideram, contudo, que qualquer proposta de regulamentação deve observar premissas que permitam construir um marco legal que incorpore as mudanças já consolidadas no mercado de trabalho e revertam a precarização resultante do processo de terceirização. Caso contrário, corremos o risco de a legislação se transformar num mecanismo para aumentar o lucro e precarizar o trabalho.

Levando isso em consideração, discordamos da proposta de substitutivo ao Projeto de Lei nº 4.330, de 2004, oferecida pelo relator, Deputado Roberto Santiago, e apresentamos, como alternativa, o texto elaborado pelas centrais sindicais elaborado em consenso com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que, no nosso entender, resulta em uma melhor proteção aos trabalhadores.

A proposta das centrais sindicais difere daquela apresentada pelo relator, em primeiro lugar, porque trata especificamente dos contratos de terceirização celebrados por pessoas jurídicas de direito privado. Entendemos que a terceirização no serviço público tem especificidades que requerem uma legislação específica.

Outra divergência fundamental diz respeito à própria abrangência da terceirização. Consideramos que nenhuma regulamentação da terceirização pode permitir que ela avance para a atividade-fim da empresa, conforme restrição hoje já inserida na Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). As centrais sindicais, aliás, consideram que mesmo essa Súmula já representou uma flexibilização dos direitos do trabalhador, mas reconhecem que ela ainda é o único instrumento que dispomos para, de alguma forma, frear a terceirização indiscriminada.

Dessa maneira, a proposta que ora apresentamos veda a contratação de serviços terceirizados na atividade-fim das empresas tomadora de serviços, assim consideradas as funções e tarefas empresariais e laborais que compõem a essência da empresa e que definem o seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico.

Proibir a terceirização em qualquer atividade da empresa justifica-se pela nossa visão de trabalho social, de trabalho decente, de distribuição de renda. Se a liberalização total da terceirização for legalizada, veremos o dia em que existirão empresas que não terão empregados, apenas cuidarão de seus lucros, em prejuízo do nosso desenvolvimento social.

A proposta elaborada pelas centrais também prevê que, para a celebração de contratos de terceirização, a empresa tomadora de serviços deverá, com antecedência mínima de cento e vinte dias, comunicar à entidade sindical representativa da sua categoria profissional preponderante os motivos da terceirização, os serviços e atividades que pretende terceirizar, a quantidade de trabalhadores diretos e indiretos envolvidos na terceirização, a redução de custos ou as metas pretendidas e os locais da prestação dos serviços.

Os contratos, por sua vez, devem conter a especificação dos serviços que serão executados; o prazo de vigência; o controle mensal, pela empresa tomadora de serviços, do pagamento da remuneração aos empregados da empresa prestadora de serviços individualmente identificados, que participam da execução dos serviços, bem como dos respectivos recolhimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e de contribuição previdenciária; a possibilidade de resolução do contrato, pela empresa prestadora de serviços, quando identificado o inadimplemento das obrigações trabalhistas; o local da prestação de serviços e, por fim, prever padrão de saúde e segurança compatível com a natureza do trabalho e de risco da empresa tomadora de serviços, mediante apresentação de programa.

Outra divergência de crucial importância, existente entre o texto elaborado pelas centrais e o apresentado pelo relator, refere-se à responsabilidade da empresa tomadora dos serviços relativamente às obrigações decorrentes do contrato.
De acordo com a proposta por nós apresentada, a empresa tomadora de serviço é solidariamente responsável, independentemente da culpa, pelas obrigações trabalhistas, previdenciárias e quaisquer outras decorrentes do contrato, inclusive no caso de falência da empresa prestadora de serviços, referente ao período do contrato.

Consideramos fundamental a previsão da solidariedade, tendo em vista o grande risco que a responsabilidade subsidiária representa para os trabalhadores ao final de qualquer contrato de terceirização. São muito comuns os casos em que empresas que não possuem capital ou patrimônio suficiente para pagar suas obrigações simplesmente desaparecem, deixam os trabalhadores à míngua. São fatos que podem ser facilmente comprovados pela fiscalização do trabalho, pela Procuradoria do Trabalho, pela Justiça do Trabalho e também nas entidades sindicais, quando se busca a reparação de danos causados ao trabalhador e à sua família, por acidente e doença do trabalho, incluindo incapacidade e óbito.

Por isso, nossa proposta prevê também que a empresa tomadora de serviços será responsável solidária pelos danos causados aos trabalhadores por acidente de trabalho, nos termos dos arts. 20, 21 e 21-A da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ocorrido em decorrência do contrato celebrado com a empresa prestadora de serviços.

O texto elaborado pelas centrais prevê, também, deveres da tomadora de serviços no tocante à saúde e à segurança dos trabalhadores. Nesse sentido, além do estabelecido em leis, convenções ou acordos coletivos de trabalho e normas regulamentadoras, elas deverão:

a) garantir e manter ambiente de trabalho, inclusive seus equipamentos e instalações, em condições adequadas ao cumprimento, pela empresa prestadora de serviços, das normas de segurança e saúde no trabalho quando o serviço for executado em suas dependências ou local por ela designado;

b) assegurar aos empregados da empresa prestadora de serviços o acesso às instalações disponíveis, de forma geral, a seus empregados, no que se refere a alimentação, transporte, alojamento, atendimento ambulatorial, condições sanitárias e medidas de proteção à saúde e segurança;

c) comunicar à empresa prestadora de serviços, ao sindicato da categoria profissional preponderante da empresa tomadora de serviços e ao respectivo sindicato da categoria profissional da empresa prestadora de serviços a ocorrência de todo acidente em suas dependências ou em local por ela designado, quando a vítima for trabalhador que participe direta ou indiretamente da execução do serviço objeto do contrato; e

d) fornecer o treinamento adequado e específico ao trabalhador, quando a atividade assim o exigir.

Buscando garantir a isonomia entre os trabalhadores terceirizados e os empregados do tomador dos serviços, a proposta que ora apresentamos também contém disposições relativas aos direitos dos trabalhadores. Para tanto, assegura ao empregado da empresa prestadora de serviços a percepção dos direitos que integram convenção ou acordo coletivo de trabalho vigentes celebrados pelo sindicato da categoria profissional preponderante da empresa tomadora de serviços, desde que mais benéficos que o instrumento coletivo de sua categoria.

Prevemos ainda que, caso a convenção ou acordo coletivo de trabalho da tomadora estabeleça remuneração superior àquela percebida pelos empregados da empresa prestadora de serviços, esta deverá complementá-la por meio de abono, o qual passará a integrar a sua remuneração para todos os efeitos legais, durante a execução do contrato.

Tais medidas viam reduzir a discriminação corrente nos contratos de terceirização e evitar que tenhamos trabalhadores de primeira e de segunda categorias.

Estabelecemos ainda que configurar-se-á vínculo empregatício entre o empregado da empresa prestadora de serviços e a tomadora dos serviços quando estiverem presentes os requisitos previstos no art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ou quando o trabalhador exercer funções diferentes das descritas nos contratos entre as empresas.

No que diz respeito às sanções, nossa proposta estabelece que a infração ao disposto na lei acarreta multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) por trabalhador em situação irregular. A única exceção é a infração ao dispositivo que trata da garantia e da manutenção do ambiente de trabalho, pela empresa tomadora de serviços, que implica a aplicação da multa prevista no art. 201 da CLT.

Nas disposições finais, prevemos ainda que o MTE editará normas complementares à execução da lei, assim como instruções à fiscalização.

Por fim, nossa proposta estabelece que a lei entrará em vigor 180 dias após sua publicação.

Queremos ressaltar que a proposta que ora submetemos a esta Comissão Especial é fruto de longos debates travados pelas centrais sindicais, que a construíram levando em consideração a realidade que enfrentam no dia a dia.

Destacamos, ademais, que os representantes dos trabalhadores, entre os quais me incluo, apostam no desenvolvimento econômico do País, o que implica empresas fortes, bem-estabelecidas e lucrativas. Nenhum desenvolvimento econômico, no entanto, poderá se sustentar sem o correspondente desenvolvimento social, o que somente será possível com o cumprimento dos direitos dos trabalhadores e a observância de regras mínimas de bem-estar, de saúde e de segurança.

*Assis Melo é deputado federal pelo PCdoB do Rio Grande do Sul, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul e Região e dirigente nacional da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

Fonte: CTB

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