terça-feira, 9 de julho de 2013

Os impasses da reforma política




Roberto Amaral *

O Congresso que aí está não é muito diferente dos quatro ou cinco anteriores, embora menos representativo. Talvez seja mais conservador do que o próximo, se o próximo for eleito segundo as regras de hoje. Como os das legislaturas passadas, não fará reforma política de qualquer sorte, porque há mais de 20 anos foge da reforma como o diabo da cruz. Ora,  qualquer reforma que mereça este nome dificultará a reeleição dos atuais deputados e senadores, cuja única preocupação cívica (atenção, atenção, ressalvo as dezenas de exceções!) é renovar seus mandatos.

E essa renovação depende das regras atuais, ditadas por eles, permissivas da ação do poder econômico, da ação manipuladora dos grandes meios de comunicação, alienantes,  das corporações em geral, sindicais e empresariais, da manipulação eleitoral-comercial-religiosa de seitas ditas evangélicas,  dos grupos da mais diversa genealogia que se organizam nas votações  à margem dos partidos, cada vez mais fluidos, incolores, manietados pela própria tibieza ideológica.

Os partidos e suas lideranças são substituídos pelas bancadas de interesse, que se distribuem às pamparras, decidindo as votações e controlando de fato o Poder Legislativo, para melhor chantagearem os Executivos, a cada votação. Enfim, uma mixórdia sem cor ideológica. A mais significativa característica de nosso Poder Legislativo sem representação é esta: a falência dos partidos.

Essa falência, se tem origem nas estratégias da ditadura, não é um mero fenômeno, nem sociológico, nem autônomo, porque  alimentado  diariamente pelos que sabem que a desmoralização da política, dos partidos e dos políticos nos levará de volta aos idos de 1964, com a inefável ajuda dos ‘inocentes úteis’ de hoje: o udenismo arcaico e o esquerdismo infantil. E, é preciso dizê-lo, com a colaboração inestimável de nossos parlamentares.

A propósito, a doce vilegiatura do presidente da Câmara, vindo ao Rio com seus familiares, em avião da FAB, para assistir à vitória do Brasil sobre a Espanha, é a mais evidente demonstração da distância que medra entre o Brasil oficial e o Brasil real. Mas, lamentavelmente, o deputado Henrique Eduardo Alves pode alegar boa companhia: no mesmo estádio, com passagens do STF, estava o ministro Joaquim Barbosa. Quando o povo reclama serviços e correção no trato dos dinheiros públicos, o nosso dinheiro, o austero TCU se presenteia com  um esdrúxulo auxílio-alimentação. Um Tribunal que tem ministros ganhando 56 mil reais de salário!

Temo que a proposta do Plebiscito contribua para aprofundar o impasse. Dele não teria receio se estivesse convencido de que não há possibilidade de retrocesso democrático, ou de recuo da emergência das massas. Jurei-me em 1964 jamais apostar em ilusões.
Não estou certo de que, nas circunstâncias, a melhor resposta ao clamar das ruas seja um Plebiscito convocado, preparado e levado a cabo às carreiras. Qual a segurança de que as perguntas a serem apresentadas ao povo são as mais urgentes para a reforma política, e, posto que o Referendo é rejeitado, qual a segurança de que a resposta do Congresso, a legislação que expedirá, estará em consonância com a vontade popular expressa nas ruas e na resposta ao Plebiscito?  Certo mesmo é que a chamada reforma política, que é ainda uma reforma eleitoral, está a depender de uma ampla reforma do Estado classista, manietado pelas regras do neoliberalismo, e posto a serviço, tão-só, dos interesses da classe dominante. Daí a falência dos serviços públicos destinados aos pobres, e contra essa falência, exigindo seu conserto, é que se manifestaram as ruas.  Para responder às vozes da rua a primeira iniciativa, conditio sine qua non para tudo, seria uma reforma tributária democrática. Como prometer serviços públicos de qualidade em país no qual a maior carga tributária recai sobre os pobres e assalariados? Quando a União concentra os recursos e leva estados e municípios, principalmente estes, à penúria? Mas a reforma tributária não será objeto do Plebiscito.

A falência da segurança pública (no Leblon, a relação de policiais e população é de 1-50; na Baixada Fluminense é de 1-2.000), a falência dos serviços de saúde, a falência do ensino público principalmente de segundo grau, a falência dos transportes coletivos, a péssima qualidade da vida urbana, que, no Rio de Janeiro, compreende o primeiro mundo da zona sul-asfalto e o quarto mundo da periferia. A resposta às ruas – se não quisermos alimentar outros estopins para explosões futuras – é a reforma do Estado (da qual a reforma política é um item) com o objetivo claro e preciso de sua verdadeira democratização, que se completará em um regime de igualdade social.

A reforma de que precisamos deve alcançar todos os Poderes da República, começando pelo Poder Judiciário, monárquico e hereditário, soberano, absoluto como o Rei Luiz XIV, que só respondia à sua consciência e terminou como todos sabemos. A reforma deve compreender a eliminação das férias forenses coletivas (um absurdo em país no qual o Judiciário não julga); a vitaliciedade, um anacronismo na República, precisa ser transformada em mandato certo de 10 anos não renováveis para todos os tribunais em todos os graus e instâncias. E quando um juiz for flagrado em corrupção (e quantos o são!), a pena não pode ser a prebenda da aposentadoria compulsória com vencimentos integrais, mas a cadeia que recebe os demais funcionários públicos. O Ministério Público precisa responder pelas consequências das denúncias vazias, que destroem reputações, mas dão ao funcionário imaturo dez minutos de glória na televisão.

Compreendo que o governo, tentando interpretar o clamor popular, tenha entendido que o primeiro passo, e somente o primeiro passo, seja a reforma política. Lamento a inexistência do Referendo e, principalmente, a desistência da Constituinte exclusiva e específica (pela qual Lula vem há anos reclamando) e temo a exiguidade de tempo para sua realização e implantação das eventuais medidas inovadoras a tempo de vigência, como todos desejamos, já nas eleições de 2014.   Esta é a primeira e crucial dificuldade. Puramente operativa. Mas há as questões de fundo.

Os grandes meios de comunicação continuarão, como agora, combatendo todos os avanços. O que será a campanha da grande imprensa contra as conquistas que o Plebiscito pode ensejar já foi anunciada, no fim de semana passado, por uma das revistonas desse país. Quanto tempo os partidos, os defensores dos avanços, terão para enfrentar a campanha do ódio, da descrença, da mentira, do atraso, do conservadorismo pérfido?

Não há nada mais importante, no momento, do que o financiamento público de campanha, livrando as eleições da manipulação do poder econômico. Mas a grande imprensa já faz campanha contra. Com o clima das ruas, com a campanha permanente dos jornalões, conseguiremos o apoio plebiscitário? Em face da desmoralização dos partidos, conseguiremos o voto em lista, já combatido pelos jornalões?  A mínima possibilidade de derrota desaconselha o risco, pois essa derrota representará um tiro de morte nos avanços democráticos.

Mas não podemos perder a oportunidade de avançar nas reformas com apoio popular. Inviabilizado o Plebiscito, este que se discute (se discute mesmo?) no Congresso, precisamos voltar à carga para conquistarmos o apoio popular para as reformas,  para que a próxima legislatura receba a incumbência de proceder às reformas negadas por esta, ou, pelo menos, que o povo faça em 2014 seu próprio Plebiscito, rejeitando as forças do atraso.

*Roberto Amaral é Cientista político, jornalista, escritor, conferencista, político militante e vice-presidente e coordenador de relações internacionais do Partido Socialista Brasileiro-PSB

Fonte: Carta Capital

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