segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Médicos, reserva de mercado e preconceito ideológico


J. Tramontini*

Essas linhas são mais um desabafo que um artigo propriamente, mas não poderia deixar de tratar um pouco da questão que envolve o Programa Mais Médicos.

Um convênio entre o governo brasileiro e a Organização Pan-americana de Saúde (Opas) prevê o envio, pelo Estado de Cuba, de 4 mil médicos daquele país ao Brasil. Esses médicos cubanos irão atender brasileiros pobres, nas regiões mais pobres do país. Cidades onde não há nenhum único médico brasileiro disposto a pisar.

Os "doutores" brasileiros (e suas entidades corporativas) alegam que não estrutura ou condições de trabalho. Mas profissionais de outras áreas, como da educação, atuam nessas regiões desde sempre. A falta de estrutura nunca foi desculpa.


Derrubada essa falsa desculpa, inventaram que os médicos cubanos teriam formação insuficiente e que não dominariam o português. Quanto ao idioma é simples, se aprende. Em Cuba se fala espanhol, não é assim tão difícil se aprender e se comunicar. Quanto à formação acadêmica dos cubanos, convenhamos, alegar que é insuficiente é puro despeito. Cuba possui indicadores de saúde superiores, em muitos casos, aos de países desenvolvidos.

Eliminada essa outra falsa desculpa, alegam que os médicos cubanos deveriam fazer o tal do Revalida, para atestar seus conhecimentos. Pois bem, por que os "doutores" formados o Brasil não tem que fazer teste nenhum? Mesmo os advogados necessitam de um exame para exercerem a profissão. Além disso, é comprovado, e essa polêmica (falsa) toda desnudou que o revalida é feito para ninguém (ou quase ninguém) ser aprovado. Mesmo assim, a maioria dos que passam são os formados justamente em Cuba. Há engenheiros, educadores, executivos, banqueiros, técnicos de todo tipo, estrangeiros trabalhando o Brasil, temporariamente ou que resolveram adotar nosso país para viver. Todos sempre foram bem vindos. Por que com os médicos, logo com quem vem para salvar vidas, é diferente?

E as entidades corporativas? CFM, CRMs, AMB e até sindicatos (estes que deveriam colocar os interesses classistas acima dos corporativos) batendo-se contra o Programa Mais Médicos, destilando toda sorte de mentiras, de preconceitos, de horrores, de falácias, para justificar seus injustificáveis interesses mesquinhos.

Curioso essas mesmas entidades corporativas não se levantarem, nem mesmo cassarem os registros, não pedirem prisão, não destilarem ódio, quando um "doutor" é flagrado cometendo crimes. Já vimos assassinos, estupradores, incompetentes variados, gente que frauda o ponto de trabalho, etc. Onde estão as entidades corporativas nesses momentos? Ninguém sabe, ninguém viu. Obviamente, não passa pela minha cabeça alegar que todo e qualquer médico formado no Brasil possui a mentalidade desses "doutores". Mas os bons médicos devem se levantar contra a verdadeira máfia que é comandada a partir dos gabinetes de suas entidades corporativas, sob pena de perderem o que ainda resta de confiança por parte do povo.

Derrubadas todas as falsas alegações contra os médicos cubanos, os "doutores" resolveram apelar. Agora alegam que os cubanos virão trabalhar como escravos. A alegação é baseada em um monte de falcatruas que, de tão absurdas, não vale nem a pena mencionar. O fato é que os "doutores" brasileiros não conseguem conceber que alguem vá atender o povo pobre, ainda mais se não for para enriquecer. Pensam no dinheiro, sempre, em primeiro lugar. Talvez por isso não entendam Cuba e os cubanos.

Curiosamente, os mesmos que alegam, mentirosamente, que os médicos cubanos são escravos, não dizem um única vírgula sobre as reformas trabalhistas em curso no Congresso Nacional, todos projetos com objetivo de eliminar direitos dos trabalhadores, de criar um regime moderno de escravidão, onde uns tem a liberdade de encher o bolso enquanto muitos tem a liberdade de morrer de fome. Basta ver as proposições do grotesco Código do Trabalho ou o absurdo PL 4330/2004, da terceirização de tudo. 

Cada vez mais se desnuda a tentativa de manter a reserva de mercado e o preconceito ideológico de uma elite branca de branco. Os "doutores" brasileiros não querem atender os pobres nos rincões e periferias e não querem permitir que ninguém o faça. Resta algo de humanidade nesses "doutores", ou o sangue foi substituído pelo vil metal?

Há médicos cubanos no Canadá, na Europa toda e em missões na América Latina, África e Ásia. Por que apenas no Brasil suas qualidades são questionadas? Os cubanos servem aos povos de todo o mundo, mas não servem para os brasileiros? Por que? Então é melhor deixar os brasileiros pobres, moradores de lugares distantes e mesmo nas periferias das grandes cidades, sem nenhum atendimento? Qual é a lógica disso?

A reserva de mercado e o preconceito ideológico, pois não virão apenas médicos cubanos, virão também de outras nacionalidades, como portugueses e espanhóis. Por que a gritaria é tão maior contra os cubanos? A questão aí é ideológica. Cuba, com todas as dificuldades, continua representando a esperança dos povos por igualdade e justiça. É exemplo de coragem e solidariedade e os cubanos são, com toda a razão, orgulhosos disso.

Bem vindos os médicos estrangeiros, em especial os cubanos. Que possam nos ajudar a, não só melhorar as condições de saúde de nosso povo, como também nos dêm lições de compromisso humano e solidariedade.

*Jefferson Tramontini é dirigente do Sindicato dos Bancários do Ceará, membro da Coordenação Nacional dos Bancários Classistas (CTB) e autor do blog Classista.


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