quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Sobre a proposta de pacto



Umberto Martins*

Quero expor neste artigo alguns comentários críticos sobre a proposta de pacto político entre capital e trabalho constante do parágrafo 59 das teses da direção nacional para o 13º Congresso do Partido.

Fala-se ali num “pacto entre a produção e o trabalho”, o que me parece abstrato, visto que a produção resulta do trabalho humano. Já dizia Marx que é o trabalhador quem cria ou produz os valores de uso e valores de troca incorporados nas mercadorias. Logo, não faz sentido falar em pacto político entre a produção e o trabalho.

O que se propõe, a bem da verdade, é um pacto entre capital (ou uma facção deste) e trabalho. E isto fica claro quando, no mesmo parágrafo, o pacto é caracterizado como “uma aliança entre o governo, os trabalhadores e os capitalistas do setor produtivo”. 



Suponho que os capitalistas em questão sejam aqueles que investem seu capital no setor produtivo, ou seja, na indústria, na agropecuária e em alguns ramos do setor terciário, excluindo-se o comércio e as finanças. 

Mas nossa indústria é em grande medida desnacionalizada, com alguns ramos de ponta completamente dominados pelo capital estrangeiro. Será que podemos considerar as transnacionais aliadas na luta por um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento? Não creio. Em minha opinião a contribuição do capital estrangeiro para o desenvolvimento do Brasil, nas atuais circunstâncias, é mais negativa do que positiva e espero ter condições de abordar mais detalhadamente este tema num próximo artigo. 

Em relação às transnacionais é preciso lembrar que, atuando ou não no setor produtivo, elas se enquadram no conceito de capital financeiro adotado por Lênin e têm seus interesses, propriedade e capital entrelaçados com os da banca internacional. 

No campo, onde a presença do capital estrangeiro também é relevante, “os capitalistas do setor produtivo” são os que dominam o chamado agronegócio, grandes proprietários e empresários rurais, representados no Congresso Nacional pela famosa bancada ruralista. Será que podem ser considerados aliados da classe trabalhadora? 

Sabemos que os agricultores familiares, representados pela Contag, que não se consideram nem devem ser considerados capitalistas, lutam por um projeto alternativo para o campo que não só é bem diferente como em muitos aspectos claramente oposto ao dos modernos latifundiários. Será que os agricultores familiares e os sem-terra já não são nossos aliados naturais?

Quando refletimos acerca da agenda concreta dos nossos “capitalistas do setor produtivo” representados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e outras entidades patronais salta aos olhos sua incompatibilidade com a agenda da classe trabalhadora por um novo projeto nacional de desenvolvimento com valorização do trabalho, soberania e democracia aprovada pela 2ª Conclat em junho de 2010.

Basta atentar para a guerra de classes que se trava nesses dias no Congresso Nacional em torno do PL 4330, que escancara a terceirização e “certamente provocará gravíssima lesão social de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários no País, com a potencialidade de provocar a migração massiva de milhões de trabalhadores hoje enquadrados como efetivos das empresas e instituições tomadoras de serviços em direção a um novo enquadramento, como trabalhadores terceirizados, deflagrando impressionante redução de valores, direitos e garantias trabalhistas e sociais”, conforme alertam 19 ministros do TST, em parecer encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça da Câmera Federal.

Bem que as centrais sindicais tentaram um acordo com o governo, os capitalistas e os parlamentares, mas o diálogo não foi muito longe simplesmente porque é impossível conciliar os interesses da classe trabalhadora com os do patronato neste terreno. Impasse semelhante ocorreu na I Conferência Nacional do Trabalho Decente, realizada em agosto de 2012 em Brasília, da qual os empregadores se retiraram.

Outra missão impossível é conciliar as 101 propostas da CNI para “modernização das relações trabalhistas” no Brasil com os interesses dos assalariados, pois constituem uma ofensa à CLT, à Constituição, aos direitos sociais e à classe trabalhadora.

As nações não existem acima ou à margem das classes sociais e por ora ainda não se livraram da luta entre elas, que pode ser percebida tanto na Europa quanto na Ásia, África, América e no Brasil, em que pesem as diferentes conjunturas políticas e econômicas. A verdade, que transparece nos fatos e nas agendas concretas dos capitalistas e dos trabalhadores (visivelmente antagônicas), é que o projeto nacional da classe trabalhadora, esboçado no documento da Conclat, não é o mesmo do empresariado.

Na concepção das centrais sindicais, e especialmente da CTB, a valorização do trabalho é hoje uma fonte de desenvolvimento, uma condição para o crescimento das forças produtivas, de forma que as bandeiras do trabalho são levantadas como bandeiras desenvolvimentistas. Os “capitalistas do setor produtivo” imaginam o contrário, orientados pelo afã insaciável por mais-valia. Reza a cartilha da CNI que é imperioso reduzir por todos os meios o custo do trabalho em nome do lucro e da competitividade capitalistas. Isto significa flexibilizar e reduzir direitos, arrochar salários, alongar jornada, terceirizar, precarizar, acabar com a CLT (sonho recorrente da nossa burguesia). Além disto, quer o Estado mínimo, o corte dos gastos públicos e dos investimentos sociais.

Não podemos ignorar o contexto histórico em que nos movemos, marcado por uma das mais graves crises do capitalismo. Crise “que em muitos aspectos quase rivaliza com os impactos da Grande Depressão dos anos 1930” e na qual “desnudam-se as contradições cruciais da dominação do capital”, conforme afirma a tese.

Não é difícil perceber que a crise, cujo ônus vem sendo descarregado sobre os ombros da classe trabalhadora, acirra as contradições do sistema e está elevando a temperatura da luta de classes em todo o mundo. Na Europa o pacto social-democrata entre capital e trabalho, estabelecido informalmente no pós-guerra, traduzido no chamado Estado de Bem Estar Social, faz água por todos os lados. No Brasil, apesar das particularidades do cenário político, o recrudescimento da ofensiva reacionária do capital contra o trabalho é notório. Alianças pontuais com setores do empresariado são possíveis, mas a proposta de pacto me parece ilusória e equivocada. 

*Umberto Martins é membro da Comissão Nacional Sindical do PCdoB.

ARTIGO ORIGINALMENTE PUBLICADO NA TRIBUNA DE DEBATES DO 13° CONGRESSO DO PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PCdoB)

Fonte: PCdoB

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