quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Pensar o futuro


Rita Coitinho*

"Não se pode afirmar fatos e ideias novas se não se rompe definitivamente com fatos e ideias velhas" (J.C. Mariátegui)

O Partido Comunista não é igual aos demais. E por que é diferente? Porque se propõe a edificar o novo. Nossa doutrina orientadora, o marxismo-leninismo, soube diferenciar-se das filosofias idealistas e dos socialistas utópicos ao procurar na sociedade existente os elementos da transição para outra forma social, em novas bases. O socialismo brota, potencialmente, das próprias entranhas da sociedade capitalista. E por que “potencialmente” e não “certamente”? Porque depende da ação política das classes em luta. 

Nas teses para o 13º Congresso o PCdoB procura fazer um balanço do ciclo que se abriu com os governos de Lula e Dilma, ao mesmo tempo em que projeta uma caminhada rumo ao socialismo com base nas lutas por reformas estruturantes. Falta às teses, porém, o sentido estratégico, na medida em que não se esclarece de que maneira o partido espera dar o salto qualitativo. Da forma como se apresenta, o texto é evolucionista: as reformas estruturais seguirão em marcha segura até o socialismo, desde que tenhamos boa bancada no congresso e que se garantam as sucessões presidenciais no campo democrático-popular. 

Embora as teses falem inicialmente em um tripé (movimento de massas, luta de ideias e frente institucional) atribui-se centralidade a uma das bases, a frente institucional (parágrafo 98). Ora, se um dos três pilares tem centralidade, os outros dois são acessórios. E se a frente institucional “assume centralidade”, estamos aceitando a ideia de que pela via eleitoral é viável a implantação do projeto do partido. Se não é disso que se trata – e a leitura do Programa Socialista não sugere essa interpretação tão restrita - é preciso atenção com o balanço atual, de maneira a não descuidarmos de nossa perspectiva revolucionária.

É acertado o entendimento de que, até certo ponto, é possível avançar em aliança com setores mais amplos, o que inclui parcelas da burguesia nacional e da pequena burguesia. São setores que aceitam reformas democráticas, capazes de projetar a economia brasileira a um novo patamar, com maior capacidade de produzir riquezas e uma grande classe trabalhadora. O socialismo não é uma doutrina da generalização da miséria, mas da apropriação coletiva da riqueza produzida em sociedade.
Porém o programa, para ser socialista, deve ir além dos limites bem comportados da socialdemocracia.

Não se pode perder de vista que os interesses do imperialismo estão representados em poderosas parcelas da burguesia brasileira. Estes setores, cujo ideário antinacional é propagandeado pelos principais meios de comunicação, não possuem qualquer identidade com o povo brasileiro e não hesitarão em trair os interesses da nação. Em sua gênese a classe dominante brasileira é profundamente ligada ao capital internacional. Está, portanto mal colocado o parágrafo 59, que sugere um “pacto” com o capital produtivo.

Não há pacto possível: pode haver no máximo uma aliança transitória. Na medida em que se leve ao limite a pressão por reformas, a aliança deixará de ser viável e devemos estar prontos para o necessário salto qualitativo. Toda a nossa plataforma, se levada a cabo, coloca em xeque os interesses dominantes e não se realizará sem luta.

Uma reforma tributária que atinja as grandes fortunas e as remessas de lucros ao exterior abala diretamente os grandes grupos econômicos, ligados ao imperialismo. Ao criar o tensionamento necessário a uma efetiva reforma urbana estabeleceremos o contraponto com os setores que se apoiam na especulação imobiliária. A reforma agrária, em um país onde ser latifundiário é ainda “título de nobreza”, é uma etapa democrático-burguesa que no Brasil só se realizará sob a direção da classe trabalhadora.

O mesmo raciocínio se aplica à luta pela reforma eleitoral visando instituir o financiamento público de campanha, que retirará do poder econômico o papel central nas eleições. Essa é uma bandeira que só interessa aos setores subalternos, de maneira nenhuma às classes dominantes. Nunca teremos uma bancada suficientemente grande e coesa no congresso sem a reforma eleitoral. E a única maneira de conquistá-la é pela pressão das ruas. O afrouxamento do partido e a eleição, com a nossa sigla, de elementos estranhos ao nosso programa não solucionará nossos problemas, nem nos trará essa conquista: apenas nos levará à desmoralização diante das massas. Da mesma maneira, quebrar o monopólio dos meios de comunicação e democratizar o acesso é golpear a capacidade da burguesia de controlar os corações e as mentes do povo – e só se fará pela luta de massas.

Nos últimos anos as políticas de investimentos e indução do crescimento, adotadas pelos governos Lula e Dilma contribuíram para efetivo crescimento da classe trabalhadora, que, mais numerosa e empoderada passou a exigir mais. As manifestações de junho demonstraram que há um processo de politização dos trabalhadores e da juventude urbana, que se vê como partícipe dos processos políticos. A questão que se coloca para os comunistas é qual o seu papel nesse novo cenário, já que não fomos capazes de assumir o protagonismo nos atos de junho. Ao contrário, o espontaneísmo foi a tônica e o vácuo político deixado pela desorientação da esquerda abriu espaço para que a direita pudesse disputar a direção. É preciso acender a luz amarela e buscar nosso reposicionamento nesse novo cenário.

Ficou claro que a luta para “avançar nas mudanças” não é apenas do PCdoB, mas das amplas massas trabalhadoras. É o momento de irradiar o NPND, de modo que se torne uma plataforma da luta de massas. E se vamos ou não lograr conduzir esse processo de luta por mudanças no rumo do socialismo vai depender de que partido temos e como nos posicionamos no cenário político.

Um partido eleitoreiro, sem enraizamento profundo, que não esteja ao lado da classe trabalhadora em todas as suas lutas - mesmo que estejam transitoriamente em contradição com os governos que apoiamos - não terá a credibilidade das massas. Não será como porta-vozes dos projetos da sempre traidora e fisiológica bancada ruralista ou participando de iniciativas que negam aos indígenas o direito à terra – e, portanto, à existência – que projetaremos nosso programa.

O partido deseja crescer, o que é positivo e necessário. Mas é preciso avaliar os passos que temos dado. Se por um lado logramos superar as amarras do esquerdismo - que só conduzem ao isolamento -, lançando mão de táticas mais flexíveis, por outro lado flertamos com um segundo tipo de desvio: tornamo-nos cada vez mais dependentes das estruturas de poder institucional e nos afastamos da classe que pretendemos dirigir.

Nem o esquerdismo nem o reformismo (ainda que em roupagem contemporânea) abrirão caminho para construção do socialismo. Somente da luta virá o novo, jamais das articulações de gabinete. Lembrando o grande pensador peruano, José Carlos Mariátegui, “a frase segundo a qual o capitalismo não é mais possível e o socialismo ainda não é possível é (...) a frase de um reformista, saturada de mentalidade evolucionista e impregnada de uma concepção de uma passagem lenta, gradual e beatífica, sem convulsões e sem abalos, da sociedade individualista à sociedade coletivista. A histórica ensina-nos que toda nova ordem social forma-se sobre as ruínas da ordem social precedente. E que, entre o surgimento de uma ordem e a derrubada de outra, há, logicamente, um período intermediário de crise”.

O sucesso da passagem de uma ordem à outra depende em larga medida da existência de condições objetivas. Mas não virá pela evolução natural das coisas. Depende, fundamentalmente, da luta política. E é para a luta que se constrói um partido comunista.


*Rita Matos Coitinho é militante do PCdoB em Santa Catarina.


ARTIGO ORIGINALMENTE PUBLICADO NA TRIBUNA DE DEBATES DO 13° CONGRESSO DO PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PCdoB)

Fonte: PCdoB

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