terça-feira, 24 de maio de 2016

Não oferecer nenhuma legitimidade ao golpe

J. Tramontini*

Vivemos os primeiros dias de um governo golpista que, efetivamente, não governa. Que não possui legitimidade e nem força para tal. Sua única chance de impor suas medidas anti-povo é o conluio com um Congresso Nacional formado por uma maioria de notórios picaretas, de negociantes, e com um Supremo Tribunal que de supremo guarda só o nome.

Mesmo com poucos dias as medidas já apresentadas e as anunciadas são a mostra do objetivo a que se pretende o golpe em curso, desmontar qualquer possibilidade de desenvolvimento soberano do povo brasileiro trabalhador, mantendo a velha vontade intestina de uma elite que se vê como subalterna e, com isso, pretende obrigar as demais classes a serem subalternas da subalterna.


O áudio do ministro do planejamento do golpe, divulgado pela Folha de São Paulo, desnuda a quadrilha que assaltou o planalto para se salvar e garantir lucros exclusivos a seus cupinchas. A única estranheza é a divulgação ter sido feita por um dos órgãos centrais do consórcio golpista, o que demonstra desentendimentos importantes no núcleo elitista.

Mas não nos enganemos. A burguesia brasileira não cultiva a inteligência, mas não é estúpida. Com toda certeza interesses escusos existem na divulgação do áudio que incrimina, em definitivo, a quadrilha que é a face aparente do golpe de Estado.

O áudio do ministro golpista; a intensa tentativa, sem sucesso, de nomear mulheres no governo usurpador; o recuo com a recriação do Ministério da Cultura, após as ocupações, demonstra a fragilidade do golpe. No entanto, o fundamental nesses passos, aparentes recuos, é a busca pela legitimidade que não possuem. Setores conservadores, o oligopólio midiático, os empresários tacanhos farão todo tipo de narrativa para legitimar o golpe. Os defensores da democracia, a esquerda, os movimentos populares não podem se enganar com essas cantilenas. Não há reivindicações a serem feitas ao governo golpista, há apenas a necessidade de sua derrubada. Nenhum fio de pretensa legitimidade pode ser concedido aos usurpadores.

Nesse ponto, é espantoso que algumas organizações levantem a bandeira de um plebiscito por eleições gerais. O que parece ser absolutamente democrático, consultar o povo, é um grande engodo. Em quais condições se daria tal plebiscito e a eventual eleição? Lembremos que, mesmo com a atual proibição do chamado financiamento empresarial de campanhas, a direita e o empresariado golpista não se importa, e nunca se importou, em despejar muito dinheiro “por fora” em campanhas. Lembremos que o horário gratuito não é capaz de disputar com a narrativa única do oligopólio da mídia. Lembremos que qualquer processo de sufrágio, atualmente, é presidido, no TSE, por ninguém menos que Gilmar Mendes. Lembremos que o STF nada fará para barrar os estratagemas reacionários. E, mais importante, que o campo democrático e popular não pode, sob pena de derrota estratégica continental, oferecer qualquer possibilidade de legitimar os golpistas.

O objetivo central é derrubar o governo de usurpação, a quadrilha que se instalou no Planalto, e devolver o posto presidencial a quem pertence por direito legítimo, a presidente Dilma.

A proposta de eleições gerais, em que pese a aparência democrática, portanto, pode acabar sendo a oferta de legitimidade que o golpe, por si só, jamais poderá possuir. É uma crença infantil nas combalidas instituições do Estado brasileiro.

Eleições gerais, nas circunstâncias brasileiras, portanto, podem, ao fim e ao cabo, consagrar o golpe, pela força do dinheiro e da narrativa única midiática. Garantindo os três poderes constitucionais ao consórcio golpista.

Já o retorno da presidente eleita ao seu posto por direito dá ao campo democrático o controle sobre um dos poderes. Não é a solução definitiva, mas pode garantir possibilidades importantes. A volta da presidente Dilma ao Palácio não pode ser a continuidade da execução do projeto derrotado em 2014, que é o que vinha sendo executado. Mas a volta de Dilma à presidência tem que significar uma virada, a execução, finalmente, do programa de desenvolvimento eleito pelo povo. Dilma e o campo democrático devem, desde já, demonstrar esse objetivo, inclusive para mover os senadores que podem mudar seus votos no julgamento do impeachment golpista.

A volta ao comando do poder executivo possibilita a adoção de uma série de medidas em favor do povo trabalhador. Mas o Congresso não permitirá, dirão alguns. Isso é verdade. Mas tratamos da necessidade, maior que nunca, do embate político aberto, da luta de classes desnudada. Dilma, a legítima, retornando a seu posto, precisa falar diretamente com o povo trabalhador. Seja por meio de cadeia nacional de rádio e televisão, seja pela internet, seja visitando as periferias das cidades de todo o país. Dialogar diretamente com o povo, sem intermediários, é o caminho. Para isso, a presidente legítima pode contar, além de sua própria tenacidade, evidenciada em todo esse processo golpista, com a figura ímpar de Lula e o reforço crescente dos movimentos populares e organizações de esquerda. É imprescindível alcançar, atender e mobilizar as amplas camadas desorganizadas do povo trabalhador.

Dilma deve cumprir o mandato para o qual foi eleita executando o programa que o povo elegeu com ela. Nenhuma reivindicação, nenhuma negociação, nenhuma oportunidade de legitimação do golpe deve ser oferecida.

*Jefferson Tramontini é editor do blog Classista

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